Há um ditado popular que diz “a dose é que faz o veneno”. Todos nós temos uma porção narcisista, e isso é necessário e benéfico.
Ao nascer, a maior parte dos pais olham para o seu bebê e o acham o mais lindo e inteligente de todos. Esse é um olhar narcisico dos pais.
É através desse olhar que se vai aos poucos injetando humanidade e dando contorno a aquele pequeno ser. Com o passar dos meses e com a interação deste bebê com o mundo, este vai se desenvolvendo de forma natural e percebendo que os pais já não mais o atendem prontamente na hora que ele pede. Começa-se a ter um pequeno espaço entre o choro e sua necessidade atendida. A mamadeira vem, mas não mais de forma instantânea; antes, há uma conversa da mãe: “Já vai, meu querido, irei preparar seu delicioso leite”. Isso pode levar alguns minutinhos. O bebê, aos poucos, com o amor e o carinho do meio que o envolve, vai percebendo a sua angústia entre o seu querer urgente e a satisfação da sua necessidade. Aos poucos, de forma natural, vai se dando conta de que os pais não são só dele ou estão apenas para ele… há um mundo fora ele. Esse bebê começa a dividir os pais com o mundo e, junto com isso, a sua capacidade de suportar a angústia de não ser mais o centro do universo e a capacidade de suportar esperar.
Com o tempo, vamos evoluindo e vamos nos tornando ainda mais capazes de não apenas aguentar esperar, mas, em alguns momentos, não termos o que queremos na hora e nem depois, dependendo da situação ou circunstância.
Alguns indivíduos podem se manter por mais tempo ou a vida inteira sentindo que são especiais, superiores aos outros e se auto admirando. No entanto, na maior parte das vezes, isso não é intencional, mas também não exclui que haja consequências.
No entanto, em paralelo a essa possível autoimagem elevada e autoadmiração, há um indivíduo muitas vezes inseguro, perguntando ao mundo quem ele é ou buscando uma validação dos outros, assim como o bebê ansia pelo olhar dos pais.
Podemos, em certa medida, olharmos a cultura atual como sendo marcada pelo excesso da necessidade de autoadmiração, validação de outras pessoas (curtidas) e a pressa. Tudo tem que ser imediato.
A questão não é descobrir quem é o culpado, mas olharmos para esse fenômeno e tentarmos acompanhar o que está havendo. Por que culturalmente precisa-se tanto afirmar a identidade em uma plataforma social? Para que é preciso mostrar rotineiramente o que se está fazendo, pensando, comendo, visitando, vestindo ou se divertindo? Por que é preciso que muitas pessoas achem legal o que está sendo postado?
Talvez não haja uma resposta única, mas levanto a possibilidade de se estar buscando através das plataformas o que não se está podendo vivenciar e sentir no offline.
O que por vezes acaba sendo um engodo, pois a necessidade de segurança e sua satisfação vêm do poder estar com o outro, em trocar, compartilhar, vivenciar uma experiência e não apenas assistir, curtir, ou criar o ideal de aparência física ou suposto estilo de vida. Ainda somos mais humanos do que máquinas, ainda precisamos mais de presença física do que virtual, apesar da velocidade das informações, ainda precisamos de tempo presencial junto com outros humanos.
Cada indivíduo precisa ser querido, cuidado e apreciado; essas são necessidades humanas comuns a todos.
A questão é quando, quanto e como iremos receber e oferecer essa apreciação e cuidado a nós e aos outros.